No mundo digital em que vivemos tudo ocorre a uma velocidade estonteante. É-nos exigida uma adaptação constante a novas soluções que obrigam a múltiplas interacções com diversos sistemas que invadem o nosso quotidiano pessoal e profissional. As actividades tendem a ser desenvolvidas em modo “resposta”, denunciando a enorme dificuldade de nos mantermos proactivos, focados e conscientes das nossas opções quanto à gestão do tempo ou à obtenção de resultados.

O meio digital aparenta desconsiderar as dimensões tradicionais da comunicação face a uma vertiginosa proliferação de novas plataformas tecnológicas e novos usos, ancorados numa cultura trendsetting, que arrebata gerações de consumidores entusiastas do emergente. Nas telecomunicações, a transição de hábitos de conversação telefónica para os de produção massiva de mensagens escritas fez supor, precipitadamente, uma crescente desvalorização da importância da expressão oral no processo comunicativo. A tentativa de “sacralização” da palavra escrita pela "intellectual technology" convidou à redução do contacto físico e à criação de distância social num quadro de considerável desumanização.
No entanto, em tempo de pandemia, bastou a obrigatoriedade do confinamento caseiro das famílias para reavaliarmos a utilidade da comunicação oral e a sua relevância no contexto dos novos media digitais. Nas tarefas em versão home office, os ecrãs passam a ser dominados por plataformas como o Zoom, Teams, Webex, nas quais, mais do que a imagem, é a oralidade que se impõe para as trocas de informação, para a construção partilhada de conteúdos e soluções com os colegas ou para o relacionamento com clientes, fornecedores e parceiros. Ou então afectivamente, para “abraçar” familiares e amigos que se ausentaram do nosso espectro físico, mas que exigem escutar a nossa voz. Ao mesmo tempo, os mais novos vão redescobrindo uma velhinha Telescola através da qual as lições são apreendidas, fundamentalmente, pelas esforçadas apresentações orais de professores que não exageram na utilização de recursos multimédia. De igual forma, neste período, fizemos depender a nossa literacia em saúde pública dos directos de “viva voz” do press briefing diário Covid-19 do Ministério da Saúde/DGS, difundidos pelos órgãos de comunicação social. Nestes meios, face à rapidez com que vão surgindo dados noticiosos, os jornalistas socorrem-se da expressão oral para dar conta, em directo, das actualizações informativas para as quais não houve tempo de elaborar infografias. Diariamente, ao cair da noite, as “live” do Instagram, como a de Bruno Nogueira, conquistam públicos inauditos com palavras faladas, gritadas, cantadas ou sussurradas. Palavras construtoras de quadros de humor e comédia que, naquela plataforma, se exibem com bom som e frequentemente má imagem. Um fenómeno em descoberta que permitiu estabelecer relações sólidas de envolvimento entre cidadãos isolados, preocupados e carentes.
Nesta era virtual dominada pela interacção electrónica, as pessoas parecem reivindicar o direito de permanecer no centro da acção comunicativa e resistem ao esmagamento pelo poder das mensagens escritas desumanizadas nas variantes messaging, e-mail, apps ou redes sociais. Pretendem continuar a fazer ouvir a sua voz, reconhecendo, todavia, a necessidade de balancear a expressão escrita com a expressão oral, respeitando as suas singularidades.
Se o “digital” tiver bons princípios e boas intenções continuará a namorar a expressão oral e juntos serão felizes e abundantemente férteis no futuro. Nada substitui a prática do uso de uma língua natural através da produção sonora. Começa na voz, realiza-se na fala, namora a linguagem e o discurso, exibe-se na performance e aperalta-se na prosódia.
Aquilo que se observa nesta dimensão digital media, afirmou-se muito antes no campo organizacional. A comunicação oral é um factor crucial para o estabelecimento de relações sociais, para a obtenção de consensos, para a manutenção de um saudável clima organizacional. É decisiva na construção da identidade da empresa e dos colaboradores, na forma como é percepcionada a sua acção, como é avaliada a sua performance ou respeitada a sua liderança. É determinante para vencer todas as etapas de valorização de carreira dos colaboradores, permite desenvolver interacções eficazes, construir confiança e credibilidade.
Saber falar em público, saber falar para públicos, são competências fundamentais na sociedade contemporânea. Uma necessidade que atende a todas as áreas de especialização e envolve todos os saberes. O pleno domínio das técnicas de comunicação oral permite-nos mostrar quem somos, o que defendemos, o que fazemos, o que valemos. A formação e o treino de competências comunicativas facilitam o entendimento da dinâmica dos públicos a conquistar, contribuem para optimizar o uso da língua, da comunicação não-verbal, da oratória, da retórica, das técnicas vocais utilizando recursos prosódicos em contexto de alta performance. O verbo é a palavra que faz acontecer. A palavra falada é tudo muito mais.
Luís Loureiro, Coordenador Executivo da Formação Avançada – Alta Performance em Técnicas de Comunicação Oral, da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa
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