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Kecheng Fang: "Presidente Xi pôs muita pressão em todas as áreas da sociedade chinesa, incluindo no sistema de propaganda"

Segunda-feira, Janeiro 16, 2023 - 13:03
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Diário de Notícias

Professor na Universidade Chinesa de Hong Kong, Kecheng Fang esteve em Portugal para debater media e propaganda no âmbito do curso de inverno dedicado ao estudo da comunicação organizado pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica de Lisboa. E mostrou uma abordagem corajosa sobre como Pequim lida com a informação.

Qual é o poder da propaganda na China? É organizado de forma quase científica ou mostra contradições e reflete até alguma luta entre diferentes fações do PC Chinês?
O sistema de propaganda na China é enorme, inclui não só os meios de comunicação, mas também o sistema de educação, a internet, a cultura, o entretenimento, tudo... Podemos considerar que tudo faz parte da propaganda. Como é um sistema gigantesco tem muita gente e muitos departamentos envolvidos. Por um lado, tem muitos recursos, chega a muita, muita coisa, mas por outro lado, tem muitas contradições. Às vezes, departamentos diferentes têm opiniões e objetivos diferentes, como aconteceu com a história da covid original, de terem sido os EUA a criarem a covid. O Ministério dos Negócios Estrangeiros queria promover essa história, mas a comunicação social oficial não a queria promover, pois tinham entendimentos diferentes. Também têm os seus limites, não quero que as pessoas imaginem que a propaganda é todo-poderosa, há coisas que eles não conseguem fazer.

Em termos da comunicação social tradicional, qual é hoje o nível de liberdade de imprensa na China? O jornalismo de investigação é possível?
Sim, ainda é possível. Claro que se olharmos para os rankings vemos que a China está numa posição realmente má, mas ainda há algum espaço para o jornalismo de investigação. Na China há basicamente dois tipos de órgãos de comunicação, há os órgãos oficiais que servem de propaganda e, por outro lado, há os que embora sejam propriedade do Estado são comerciais e não se pode obrigar as pessoas a lê-los, é preciso conquistar as audiências. Para conseguir isso, é preciso publicar conteúdos mais diversificados que incluem, obviamente, entretenimento, bisbilhotices, desporto, mas também, às vezes, artigos de investigação. Na verdade, estes servem, por vezes, para legitimar o governo. Porque a China é muito, muito grande, com muitas províncias, a corrupção a nível local pode ser grave para o governo central. Assim, se se fizer investigação para um artigo sobre a corrupção, digamos, num governo regional, isso pode ser tolerado pelo governo central em Pequim porque ajuda-o a monitorizar as autoridades governamentais que estão espalhadas por toda a China. Portanto, por vezes, o jornalismo de investigação é não só tolerado como usado para servir o governo.

Alguns órgãos tradicionais como o Diário do Povo, o Global Times, mesmo a Xinhua, usam uma abordagem diferente quando publicam em língua chinesa e em inglês?
Sim, é verdade. Desde o início do Partido Comunista que as autoridades sabem que têm de dizer coisas diferentes às audiências internas e externas. Na verdade, o presidente Mao Tsé-tung era um mestre no uso da propaganda a nível interno e externo. Durante os primeiros anos da revolução, ele conversou muito com um jornalista chamado Edgar Snow e sabia o que o público ocidental queria ouvir sobre a China. Assim, a diferenciação entre as duas audiências sempre foi crucial para a propaganda chinesa. Eu diria que isso acontecia até há pouco tempo, mas porque o presidente Xi pôs realmente muita pressão em todas as áreas da sociedade, incluindo no sistema de propaganda, este encontra-se também numa situação em que goza de cada vez menos autonomia em termos de poder escolher o que dizer. Ou seja, no passado eles podiam ter alguma liberdade para explorar a melhor forma de comunicar com estrangeiros, incluindo algumas más notícias sobre a China, incluindo alguma parte do lado negro, o que fazia com que os estrangeiros achassem a comunicação mais credível. No passado pode ter havido algum espaço para isso, mas devido à governação tão apertada de Xi Jinping, os burocratas não se atrevem a ofendê-lo. Hoje em dia, se quiserem falar para uma audiência estrangeira de forma a transmitir uma imagem mais eficaz da China, os burocratas preocupam-se com as consequências disso. Portanto, penso que atualmente essa diferenciação entre a comunicação para o público interno e externo está a diminuir.

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