O futuro? "Nada vai ser igual na relação com o outro. O outro é um risco", antevê o coordenador do Observatório do Risco. Haverá outras dinâmicas e é preciso capacidade de acreditar e construir a confiança participada com base na cidadania. Porque confiança é bem-estar pessoal, psicológico, físico, é segurança profissional e económica. É o ganha-pão, também.
Ana Veloso, psicóloga, professora da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, investigadora do Centro de Investigação em Psicologia da mesma universidade, lembra que confiar implica riscos e que a confiança organizacional é feita de competência, de credibilidade, de arriscar. Tal como um animal que só oferece o seu pescoço quando confia. O momento é de muitos medos. Medo de perder o emprego, ficar sem salário, sem rendimento. "Em situações de crise, se a organização quebra algumas das promessas que fez, há uma quebra de confiança que nunca mais é recuperada", observa a investigadora. "O sentimento de estar sempre em perigo cria uma grande ansiedade às pessoas", acrescenta. Restaurar uma relação de confiança é muito difícil.
Rui Gaspar, psicólogo social, professor da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, concorda. "A confiança sofreu alguns abalos e é difícil restaurá-la. É mais fácil perdê-la do que ganhá-la." Pensar no futuro passa por confiar no presente. Criar as bases e as fundações da confiança agora.
"Para alcançarmos a confiança no futuro temos, primeiro, de confiar no presente", vinca. O plano de vacinação, por exemplo. O Governo garante que 70% da população estará vacinada depois do verão. "Devia comunicar outros cenários possíveis em que não possa ser alcançado esse valor", comenta Rui Gaspar. Se promete e não cumpre, a confiança futura é destruída com base no que é dito no presente. Confinar, desconfinar, confinar outra vez.
Achatar a curva da pandemia. Pareceres técnicos e muitas opiniões de especialistas epidemiologistas, infeciologistas. Decisões políticas, mensagens que não se percebem, cacofonia comunicacional. Os recados dos políticos para os cientistas. Os recados dos cientistas para os políticos. A vacinação, os abusos, vacinar políticos. As vacinas chegarão para todos? Rui Gaspar defende um trabalho árduo a começar já hoje.
Aumentar a literacia científica dos cidadãos é uma forma. "Ajudar as pessoas a compreender e a clarificar que a ciência é feita de incertezas. Explicar que o que funciona num determinado momento pode não funcionar mais tarde". E assim se constrói a confiança. Há recursos psicológicos que facilitam como a esperança, o otimismo, a resiliência. Mas não bastam. "Não podemos só esperar que as pessoas sejam otimistas e ponto final. É preciso reduzir as exigências com que se confrontam", diz o psicólogo social.
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